
“Como vês, é-me impossível aprofundar e apossar-me da vida, ela é aérea, é o meu leve hálito. Mas bem sei o que quero aqui: quero o inconcluso. Quero a profunda desordem orgânica que, no entanto, dá a pressentir uma ordem subjacente. A grande potência da potencialidade. Essas minhas frases balbuciadas são feitas na hora mesma em que estão sendo escritas e crepitam de tão novas e ainda verde. Elas são o já”
(teimosa Clarice... Lispector, 2019, p.41.)
Diários rabiscados, 27 de agosto de 2021






Nota solta... soLtinha

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(um bloco de palavras escritas no momento mesmo em que as escrevo)
Processos(entres)
Pesquisar no processo... escrever no processo... cartografar. Como pesquisar acompanhando processos, produzindo a pesquisa no encontro, a cada encontro, deixando ao encontro o forjar da pesquisaescrita? Talvez a pergunta seja anterior – mas não existe um antes ou depois, apenas um agora, no meio: o entre(presente). Pois que então pergunto agora – no meio, no hoje, no já – Eu suporto o processo? Eu aguento em meu corpo o processo? Ou talvez pergunte de outra forma, pelo modo como vejosinto as coisas: de que modo enxergo o mundo? De que modo vejo meu entorno? Como sinto os movimentos da vida? Faz sentido para mim a vida como processo? Costumo pensar que as coisas estão dadas, que sou eu quem digo quais as respostas a encontrar e passo a vida a procura-las? Ou será que em alguns momentos – ao menos em alguns – teimo e profano o costume?... é que o processo dói. Não saber dói e esgarça nossa fragilidade. Eu suporto as mudanças constantes da vida? Eu suporto a mudança do campo problemático? Eu suporto as mudanças em mim? Eu suporto que aquilo que faz sentido agora muda a cada instante, e que neste trilhar rabiscarei e riscarei e abandonarei palavras, coisas e modos a cada encontro? Que é a cada encontro, com gentes, coisas, textos, escritas e sentir(es) que forjamos juntos nosso estar juntos, que a matéria da qual esta pesquisaescrita é feita? Será que suporto mesmo o gaGuejo? A vida que escapa? (...e escapa sempre, o escapar é a própria vida, a vida é fuga, apenas fuga). Será que suporto esta grande matéria amorfa repleta de linhas rabiscadas e titubeios chamada pesquisa(vida)escrita que não domino, a qual não sei no que vai dar, mas que em algum ponto – que já não lembro mais – entrei e em outro ponto qualquer abandonarei? Suporto ser como aquele que “sai em busca de qualquer achado e suporta, padece, um grau de abertura maximizado ao que possa vir”, “a grande potência da potencialidade” ? Eu suporto me perder e ao mesmo tempo ser responsável? Eu suporto ensaiar, ler, estudar, escrever, pesquisar e ainda assim me colocar como estrangeira diante do outro? Eu suporto responsavelmente me preparar para eticamente nunca estar preparada para o que virá? Suporto ser responsável e disponível no encontro com o outro que sempre será para mim um desconhecido com o qual me relaciono em uma condição de estrangeiridade? Eu suporto o desconhecido? Suporto não capturar o outro e seus modos de existir? Eu suporto o outro? Eu suporto a teimosia da vida?
(...)
(...)
E pulsa

Esta pergunta pelo suportar do processo reverbera em mim, em especial, ao ser feita por Luciano Bedin na live “Deleuze e a Cartografia” do projeto “Deleuze: modos de usar”, do grupo LAPSO (Laboratório de Artes e Psicologia Social) da UFPEL, disponível em: https://youtu.be/CIQM5piXFxo
